sexta-feira, 30 de novembro de 2018

ANGLICISMOS NO CRIOULO HAITIANO — um caso curioso

  O que são anglicismos? De modo básico, são importações da língua inglesa. Essas importações podem se dar em diversos níveis na língua, mas o mais comum é que ocorram no léxico da língua, ou seja, nas palavras.
Importações entre línguas é a coisa mais comum que existe. A própria língua inglesa é cheiíssima de importações de diversas línguas. Sendo o inglês a língua de comunicação global, sua influência é sentida em todas as línguas, em graus diferentes. Alguém que começar a aprender japonês hoje vai se surpreender com a influência do inglês, o mesmo vale para alguém que observe como o italiano tem sido usado pelos jovens e pela mídia. E no português? Muito também.
O interessante é que quando importamos uma palavra, várias adaptações ocorrem e essa palavra se incorpora à nossa língua e adquire pronúncia diferente da original, e mais interessante ainda: significado diferente do original. Como se fala outdoor em inglês? Billboard. Como se fala pen drive em inglês? Entre algumas formas temos flash drive. Como se diz shopping em inglês? Mall. A lista poderia continuar...
Fato é que não podemos fugir da influência da língua inglesa, nem o pode o crioulo haitiano. Por isso, vemos diversas palavras da língua inglesa que se adaptaram à fonologia do crioulo haitiano e passaram a ser usadas com o mesmo sentido ou um sentido diferente do original. É assim que temos bokit (balde) de bucket, bilding (prédio, edifício) de building, alawonnbadè ("em todo lugar") de all around by there, djòb (emprego) de job etc.
Mas não para por aí. Como já foi dito, é muito normal esse intercâmbio de palavras entre as línguas. A cada dia esse intercâmbio contribui para que o inventário de palavras de uma língua cresça. Toda língua tem dois inventários de palavras, por assim dizer. Um é um inventário aberto, ao qual se pode adicionar novas palavras sem problema. Outro é um inventário fechado, ao qual não se importam palavras e nem se inventam novas palavras. Querem um exemplo? Pensem nos números. Será que alguém vai inventar um número novo? Não. Pensem nos artigos o, a, os, as, será que vai surgir um novo? Não.
A cada dia o número de palavras lexicais aumenta. São palavras que fazem referência a algo que existe no mundo, seja concreto ou abstrato. São palavras do tipo carro, casa, caderno, janela, bondade, tristeza, felicidade. Mas as palavras gramaticais como para, com, entretanto, de, mas, que têm uma função, e não exatamente fazem referência a algo no mundo real, permanecem sempre as mesmas. Quando uma importação é feita, espera-se que seja de uma palavra lexical.
Vou ilustrar: imagine que comecem a chamar janela de window, como em inglês. Essa moda pode pegar e passarmos a usar window, e janela pode cair em desuso. Mas será que algum dia em vez de dizer a janela alguém mude para the janela? Não é de esperar que passemos a usar o artigo inglês the, mas é possível que mudemos de janela para window e vai ficar a window, mas não ficaria the janela. Será que deu pra entender?!
Agora chegamos ao que me chamou a atenção! Tenho visto que no crioulo haitiano é possível observar importação de palavras gramaticais!!! Isso é bem interessante! Em vez de donk (então) tem haitiano dizendo so (então, do inglês). Alguns estão dizendo but (mas) em vez de men (mas). Há quem diga just (somente) em vez de sèlman (somente).
A questão aqui colocada não é incentivar, mas também não é de criticar esses usos. Quis apenas reportá-los. Se você vir por aí um haitiano dizendo coisas desse tipo, não se assuste, parece que está cada vez mais comum.
So si w pa t konprann sa m te di a just li tèks la ankò. Enjoy tèt ou! (Então, se você não entendeu o que eu disse é ler o texto de novo. Divirta-se!)

sábado, 29 de setembro de 2018

A NOÇÃO DE POSSE EM CRIOULO HAITIANO — Parte 1


         Não é a primeira vez que falamos sobre como indicar posse em crioulo haitiano. No artigo Pronomes Possessivos, vimos como usar os pronomes mwen, ou, li, nou, yo para isso. Aliás, vale deixar claro aqui que apesar de eu mesmo tê-los chamado de pronomes possessivos, a maneira mais correta seria chamá-los de adjetivos possessivos, mas isso é detalhe técnico.
         Em português, de maneira geral, para indicar posse fazemos uso da preposição de. Assim, dizemos coisas do tipo “livro do (de+o) José”, “casa da (de+a) Maria”, “o povo de Deus”. Vemos claramente que a preposição de tem como um de seus papéis atribuir a ideia de posse. O português veio do latim. No latim, a posse era indicada por uma flexão na própria palavra. Como assim? As palavras mudavam de forma para indicar que se tratava da ideia de posse. Pensando em um exemplo, peguemos a palavra menina em latim, puella. Para dizer que algo é “da menina”, ou seja, pertence à menina, muda-se o final da palavra para -ae­, ficando puellae. Para dizer isso no plural, ou seja, que algo é “das meninas”, muda-se o final para -arum, ficando puellarum.
         Com o tempo, o latim foi perdendo suas marcas de caso. Cada “caso” indicava uma função diferente, digamos. O caso genitivo é esse do qual estamos falando, indicava posse. Veja-se que o inglês também tem o caso genitivo, que é marcado pelo apóstrofo S (’s), por isso se diz em inglês the girl’s book (o livro da menina, literalmente /o menina-GENITIVO livro/). A marca do genitivo permite identificar a quem pertence o livro. Com a perda dos casos, as línguas neolatinas, as que derivaram do latim, passaram a empregar preposições que cumprem os papéis que antes eram das flexões de caso. É assim que o de tem hoje, em português e outras línguas, o papel de indicar posse. Lembrando que essa é uma de outras funções.
         Mas vamos ao crioulo, que nos interessa mais, pois já falamos o português. Algumas línguas mostram as funções da palavra dentro dela mesma, fazendo alterações na palavra por várias maneiras. São línguas em que o CASO é CONCRETO, porque vemos que a morfologia, a forma da palavra, é alterada, como vimos no latim. Mas em outras línguas, o CASO é ABSTRATO. As palavras não mudam, então como saber de suas funções na sentença? A colocação das palavras é importantíssima para marcar o caso, nessas línguas. É o que acontece com o crioulo haitiano.
         Em crioulo haitiano não se marca a posse nem por flexão (mudança na forma da palavra) nem por preposição (não se usa a preposição de para marcar posse). A noção de posse é pura e simplesmente marcada pela ordem em que as palavras aparecem numa sentença (ou num trecho dela, a que damos o nome sintagma). Qual é essa ordem?
         Eis a ordem seguida no crioulo haitiano:
OBJETO QUE ALGUÉM POSSUI + PESSOA QUE O POSSUI
         Apliquemos essa ordem pegando os exemplos que já foram citados aqui.
Livro do José : Liv Jozèf
Casa da Maria : Kay Mari
Povo de Deus : Pèp Bondye
         Basicamente, o que aconteceu? Sumiu o de, simples. Como falantes da língua portuguesa, nossa gramática interna (não um livro que dita regras!) faz com que tenhamos a impressão de estar faltando algo se não usarmos a preposição. É aí que temos de lembrar que as gramáticas das línguas diferem muito e temos que prestar atenção para não deixar que a gramática do português nos faça construir frase inexistentes na língua que estamos aprendendo.
         Existem algumas outras coisas a considerar sobre esse assunto, mas isso ficará para a parte 2. Hoje foi um daqueles artigos que falamos muito para ensinar pouco, mas espero que aproveitem das informações adicionais! A byento! Até logo!

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O que significa KIFKIF?


         Vou abordar aqui o uso mais comum dessa palavra, não sei dizer se há outros.

         De modo geral, kifkif  é usado com o verbo aji (agir). Quando alguém age kifkif com alguém, o sentido é de retaliação. Assim, se alguém faz algo ruim para outra pessoa, ela pode querer aji kifkif, ou seja, revidar.

         Podemos comparar kifkif a expressões idiomáticas do tipo “estar quite com”, “pagar na mesma moeda”. De qualquer modo, pa aji kifkif (não pague na mesma moeda).

         Dúvidas? Você pergunta, o blog responde!

sábado, 14 de julho de 2018

Você pergunta, o blog responde: O que é POUTAN?


         Que pergunta boa! Nem sei como eu ainda não tinha falado disso. Estão vendo como é bom quando vocês mandam perguntas e sugestões de matérias? Vamos lá...

         O que pode confundir a maioria é que POUTAN ou EPOUTAN se parecem ao nosso “PORTANTO”. Mas só se parecem mesmo. Em crioulo, POUTAN e EPOUTAN são a mesma coisa que “NO ENTANTO”, ou seja, a mesma coisa que SEPANDAN. São conjunções adversativas.

         Para dizer “PORTANTO”, que é um conjunção conclusiva, dizemos DONK, que equivale também ao nosso “ENTÃO”.

         Aqui vão uns exemplos práticos:

Mwen te envite l vini lakay mwen, epoutan li pa t kapab vini
Mwen te envite l vini lakay mwen, sepandan li pa t kapab vini
(Eu o convidei para vir a minha casa, no entanto ele não pôde vir)

         Tanto “epoutan” quanto “poutan” são variações da mesma palavra. Escolha a que desejar. Ou use “sepandan”, dá no mesmo.

         Lembre-se, você pergunta, o blog responde! Até mais!
        


quarta-feira, 23 de maio de 2018

Sobre o crioulo haitiano (não) ser uma língua pro-drop


         Opa! Lá vem o Bruno e seus nomes difíceis. Não é culpa minha, é da Linguística. Mas vocês sabem, eu até falo uns nomes difíceis, mas sempre explico depois. Vamos a mais um detalhe do crioulo haitiano.

         Faz exatamente duas horas que recebi um comentário no post sobre verbos pronominais. Ali, parece que uma frase específica chamou a atenção da leitora. É a frase “Li enpòtan pou w debarase tèt ou anba tristès” (é importante que você se livre da tristeza). Ora, o que causou dúvida é o fato de a frase começar com “li” e não haver, na tradução, o pronome “ele”. Li não é ele?! Dúvida interessantíssima, riquíssima.

         Em primeiro lugar é bom esclarecer que o crioulo haitiano é uma língua não pro-drop. Ué, o que é isso?! Línguas pro-drop são línguas que permitem, por exemplo, usar o verbo sem o sujeito expresso. Como assim? Se você diz “comprei um livro ontem” sabemos que o sujeito é “eu” porque a terminação do verbo (-ei) nos indica isso, mas o pronome “eu” não está lá. É possível também dizer “eu comprei um livro ontem” e deixar o sujeito lá no lugarzinho dele. É por isso que dizemos que o português é uma língua pro-drop, ou parcialmente pro-drop, mas não queremos entrar na questão do parcialmente agora, afinal aqui estamos mais concentrados no crioulo, o português já sabemos naturalmente, mesmo que as regras não sejam claras a nós.

         Outras línguas, no entanto, são não pro-drop, e, portanto, EXIGEM que o verbo tenha seu sujeito explícito na oração. Alguns exemplos são o inglês, o francês e o... kreyòl ayisyen! Mesmo com verbos impessoais, como verbos de fenômeno da natureza, é necessário haver um sujeito. Pense no exemplo (1).

(1)             Choveu ontem

Ora, em português o verbo “chover” rejeita qualquer pronome, é impossível algo como *ele choveu ontem. Nas línguas que exigem sujeito, no entanto, o espaço antes do verbo, ou seja, o lugar do sujeito, obrigatoriamente deve estar preenchido. O inglês usa o pronome “it” para isso, e recebe até um nome especial — “dummy it”. Assim, em inglês dizemos como em (2).

(2)            It rained yesterday (algo como: ‘ele’ choveu ontem)

Em inglês não se poderia começar a sentença (2) com o verbo diretamente, como em português. O mesmo acontece com o crioulo. O sujeito precisa estar lá, bem evidente antes do verbo. É por isso que para dizer “está chovendo” dizemos em crioulo algo como “ele está chovendo”, veja em (3)

(3)            L ap fè lapli

O “ele”, nesse caso, está aí com um sentido meio que vazio, só para preencher um espaço. Já para dizer “é importante que...” o verbo SER, que é SE em crioulo, não aparece. (Veja a série de matérias sobre o uso do verbo SER e ESTAR) No entanto, o espaço do sujeito deve ser preenchido. É por isso que usamos LI ou SA. Então dizemos “Li enpòtan...” ou “Sa enpòtan...”.

Portanto, é muito importante que você pratique bastante! (Li/Sa enpòtan pou w pratike anpil!)

Acho que até aqui já deu, não é? Reflita nesses conceitos e tente observar como esse tipo de construção se comporta no crioulo e no português! Até mais!

P.S.: É bom esclarecer que existe uma minoria de verbos em crioulo haitiano que se comportam de maneira diferente, é por isso que com “genyen” e “sanble”, por exemplo, é possível começar a sentença a partir do verbo.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Mesye, misye — tem diferença mesmo?

Tem diferença? Tem sim. Vamos ver como posso explicar, vou tentar ser simples, mas não vou conseguir fugir de umas explicações com uns nomes complicados. As frases marcadas com asterisco (*) são frases agramaticais em crioulo.
De modo bem básico, classificamos misye como um termo anafórico. O que é isso? Nós usamos termos desse tipo toda hora. É quando retomamos algo que já dissemos. Veja as duas frases abaixo, (1) e (2).
(1)             O Pedro está doente. Isso fez com que ele não pudesse vir hoje.
(2)            A Marta foi viajar e só volta na próxima semana. Ela vai trazer umas coisas para mim.
Conseguiu reparar que os temos isso e ela estão resgatando uma informação/pessoa já mencionada? Isso é anáfora. Se misye é um termo anafórico, para usá-lo é necessário que a pessoa já tenha sido mencionada. O termo misye é restrito a referência a uma pessoa somente, e sempre do sexo masculino. Para ficar mais fácil, pense que misye corresponde ao pronome ele.
Veja os exemplos a seguir:
(3)            Jozèf gen 70 an. Misye te travay antanke pwofesè pandan 40 an.
Repare, em primeiro lugar, que misye retoma Jozèf, já mencionado anteriormente. A tradução é “José tem 70 anos. Ele trabalhou como professor durante 40 anos”. Pode-se muito bem trocar misye por li.
(4)            Jozèf gen 70 an. Li te travay antanke pwofesè padan 40 an.
Sendo um termo anafórico, com um papel de pronome, misye rejeita determinantes plurais, como números, artigos, e pronomes demonstrativos. Então as seguintes construções são impossíveis em crioulo:
*yon misye
*misye a, misye yo
*twa misye
*misye sa a
Essas construções só são possíveis com mesye, que significa senhor.
yon mesye = um senhor
mesye a, mesye yo = o senhor, os senhores
twa mesye = três senhores
mesye sa a = este senhor
Veja que a frase (3) pode ser reescrita com mesye, mas há a necessidade de acrescentar o artigo definido. Veja em (5).
(5)            Jozèf gen 70 an. Mesye a te travay antanke pwofesè padan 40 an.
De modo geral, onde pode ir misye pode ir também mesye a. Mas em alguns lugares só será possível mesye. Veja em (6).
(6)            Yon mesye te vizite m yè (Um senhor me visitou ontem)
Não é possível dizer *yon misye te vizite m yè. Dá para trocar por li? Vamos ver... *yon li te vizite m yè. Impossível, não dá pra trocar por li, então não dá pra ser misye, só mesye.
Vamos pensar em um último exemplo, na frase (7).
(7)             Mwen te pale avèk mesye yo (falei com os senhores)
É possível trocar o trecho em destaque por misye? Já vimos que misye rejeita o artigo yo. Além disso, não é possível trocar o trecho em destaque por li, se fôssemos trocar, seria por yo. Ali, portanto, só se pode usar mesye, não misye.
Assim, pense sempre: é possível trocar por li? Se for, grande chance de aceitar misye. Outra questão: estou retomando uma pessoa que já foi mencionada na conversa/texto? Então há grande chance de ser misye também. Nos outros casos, sempre mesye.
Façam os exercícios no link abaixo para testar sua compreensão e treinar! Até mais!

terça-feira, 8 de maio de 2018

O que é "avèk letan"? — Você pergunta, o blog responde


    Avèk letan é uma expressão idiomática do crioulo haitiano que corresponde à expressão “com o tempo” em português. Veja em (1) a frase em português e em (2) a frase correspondente traduzida ao crioulo haitiano.

(1) Com o tempo, o modo como eu falo crioulo vai melhorar
(2) Avèk letan, fason m pale kreyòl la ap amelyore

A palavra tempo quando estiver fora da expressão com o tempo, é tan. Veja em (3) a frase em português e em (4) a tradução para o crioulo.

(3) Eu não tenho muito tempo
(4) Mwen pa gen anpil tan

A palavra letan quando usada fora da expressão que acabamos de ver (avèk letan), significa lago. Veja em (5) a frase em português e em (6) a frase em crioulo.

(5) Ele me levou próximo de um lago
(6) Li te mennen m bò yon letan

          Um último esclarecimento: avèk tan existe, mas significa "com tempo", e não "com o tempo".

Espero ter ajudado, até mais!

sexta-feira, 13 de abril de 2018

VERBOS PRONOMINAIS NO CRIOULO HAITIANO


         O que são verbos pronominais? São aqueles que se conjugam com um pronome. Muitas vezes, quando retiramos o pronome, o significado muda. Pense no verbo importar. Sabemos que uma das definições desse verbo é “trazer algo de outro país”. Agora pense no verbo importar-se. Notou a diferença? Agora a definição seria algo como “ter interesse por alguém ou algo, ter alguém ou algo como importante”. Outro verbo para esclarecer ainda mais: encontrar. Encontrar pode ser definido como “achar algo que estava perdido”, entre outras possibilidades de definição. Mas encontrar-se é sinônimo de estar em algum lugar/situação. Repare: Eu me encontro na escola neste momento. Ou seja: eu estou na escola.

         É verdade que em regiões do Brasil, principalmente nos Estados de Minas Gerais e Goiás, muitos verbos que antes eram usados como pronominais estão perdendo esse uso. É comum ouvir frases do tipo “Eu consultei com o médico em vez de “Eu me consultei com o médico”. Ou: “Ele teve convulsão e ficou debatendo no chão” em vez de dizer “Ele teve convulsão e ficou se debatendo no chão”. (Perdoem-me os exemplos, é que são frases reais que ouvi/li por aí rsrs) Essa variação é normal, mas é importante mostrar que o crioulo exige que determinados verbos sejam acompanhados de pronomes. Vamos passar ao crioulo e ver alguns exemplos?

·        SANTI

Se o verbo for sentir-se, para traduzir uma frase como “Eu me sinto feliz”, deve-se repetir o pronome mwen, ficando “Mwen santi m kontan”. Não repetir o pronome e acabar a oração no verbo implicaria a mudança de significado para “cheirar mal”. Há outras possibilidades também que não citaremos nesse momento.

·        KONSANTRE

Se você quiser dizer concentrar-se, como em “Ele se concentrou no seu objetivo”, diga “Li te konsantre l nan objektif li”.

·        DEBARASE

O sentido desse verbo é livrar-se, desfazer-se de algo. Então para dizer “Eu me desfiz dos livros”, dizemos “Mwen te debarase m ak liv yo”. Pode ser usado para coisas mais abstratas como “Li te debarase l ak tristès”, no sentido de “Ele se livrou da tristeza”. Repare que preposição ak é exigida: debarase + pronome + ak + a coisa/circunstância da qual alguém se livrou/se desfez. Com debarase também é possível usar tèt + pronome. Exemplo: Li enpòtan pou w debarase tèt ou anba tristès (é importante que você se livre da tristeza). Nesse último caso, dispensa-se o uso da preposição ak.

·        DEBWOUYE

Podemos definir o verbo debwouye assim “manejar, gerenciar, lidar com um problema por conta própria”. É quando dizemos que alguém “se virou” com uma situação; ele resolveu por conta própria. Como exemplo, podemos dizer “Li te debwouye l anba pwoblèm li te rankontre” (ele se virou com os problemas que encontrou).

Nota: Às vezes pode aparecer sem o w, como debouye, mas é preferível a forma debwouye.

Também degaje é um verbo que, quando pronominal, é sinônimo de debwouye. Exemplo: Mwen degaje m nan kreyòl (eu me viro no crioulo).

·        KONPÒTE

Esse é o nosso verbo comportar-se. “Li te konpòte l byen” é “Ele comportou-se bem”.

         Há muitos outros verbos que entram na lista dos pronominais. Quem sabe um dia seja possível fazer uma grande lista com eles. Lembre-se de que alguns dos verbos citados aqui também têm outros usos, que nem sempre são os que citamos. Para saber se um verbo é pronominal, você pode verificar se o pronome que aparece antes do verbo (em posição de sujeito) e o que aparece depois (em posição de objeto) são o mesmo.

Mwen debarase m ak sa m pa itilize ankò (me livrei do que eu não uso mais) = é verbo pronominal aqui, o mwen é usado antes e depois.

Annou debarase l ak sa l pa itilize ankò (vamos livrá-lo do que ele não usa mais) = aqui o caso é diferente, pois antes do verbo aparece nou e após aparece li.

         Treine bastante! Identifique outros verbos que se enquadram nesse grupo, isso vai ajudar você a amelyore (melhorar) seu crioulo cada vez mais! N ap wè!

domingo, 18 de março de 2018

Provérbios haitianos: wòch nan dlo pa konnen doulè wòch nan solèy


         O provérbio de que falaremos hoje traduz-se literalmente da seguinte maneira: “A rocha (ou pedra) que está na água não conhece a dor da rocha (ou pedra) que está no sol”.
WÒCH NAN DLO PA KONNEN DOULÈ WÒCH NAN SOLÈY

         Como já podem imaginar, a intenção é dizer que uma pessoa não sabe realmente como é passar por uma situação a menos que ela tenha passado por essa situação também. Este é um dos provérbios mais conhecidos.

         Agradeço ao Felipe Moura, de Pinhas, Paraná, pela contribuição desse provérbio e de outros que serão postados futuramente!

         Quais outros provérbios você conhece? Compartilhe conosco e identifique-se para que possamos agradecer você. Babay!

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Você pergunta, o blog responde: Até que ponto o sotaque estrangeiro interfere na compreensão dos nativos?


         Esta pergunta é muito importante, muito interessante. É uma pena que ainda não existam muitos estudos do crioulo haitiano nessa área. Afinal, pesquisas desse tipo requerem investigação mais profunda.

         Quando se descreve o sistema fonológico de uma língua, concentra-se na identificação dos fonemas da língua e alguns fenômenos fonéticos. Os fonemas são unidades mínimas de som que não têm significado, mas são importantíssimos quando se combinam. Tome como exemplo os fonemas /f/ e /v/. Para produzir esses dois sons, encostamos o lábio inferior na arcada dentária superior e “sopramos”. A diferença dos dois é que, no caso do fonema /f/ as cordas vocais não vibram), mas no fonema /v/ as cordas vocais vibram. Faça o teste, leve sua mão até a garganta e produza cada um desses sons.

         Quando os fonemas /f/ ou /v/ se combinam a outros segmentos, outros fonemas, vê-se quão importante é diferenciá-los. Veja: faca versus vaca.

         Quando estamos tratando dos fonemas, que são segmentos, ocorrem sequencialmente, não há muita dificuldade para identificá-los. O problema mora em outro lugar, no nível suprassegmental. Isso mesmo, no nível acima desses segmentos.

         Agora passamos a falar de aspectos que têm a ver com todo o ritmo das orações de uma língua, da sílaba tônica, e da quantidade vocálica. “Quantidade” tem a ver com a duração da vogal, em algumas línguas é importantíssimo distinguir vogais breves e longas.

         Quanto à sílaba tônica, sinto-me confortável em dizer que todas as palavras do crioulo são oxítonas, ou seja, a última sílaba sempre será a mais forte.

         Quanto à entoação dos enunciados, não parece haver muita diferença em relação ao português. Por isso, geralmente é bem fácil distinguir uma afirmação/negação de uma interrogação, estando atento apenas à entoação (ou: entonação).

         Apesar de sabermos desses detalhes do nível suprassemental do crioulo haitiano, ainda falta muito a descobrir. Com respeito a sotaque estrangeiro é possível fazer algumas afirmações sem medo de errar, até porque todo mundo tem sotaque, até entre os nativos.

         Olhando bem superficialmente, podemos afirmar com certo grau de certeza que há uns desvios de pronúncia mais graves do que outros. Vamos a exemplos. Você acha que pronunciar o “R” do português numa palavra como “tanpri” (que significa “por favor”) tornaria essa palavra (ou qualquer outra) incompreensível? — A resposta é: não. Eles nem têm o “R” que nós temos em português. Essa pronúncia denunciaria você como estrangeiro, mas não afetaria a mensagem. (Que isso não se torne desculpa para ninguém!)

         Que dizer da pronúncia do “L”? Em português brasileiro, o “L” tem sido pronunciado como o “W” dos haitianos. Portanto, se você pronunciar o “L” como “W”, poderá confundi-los. Tomemos como exemplo a palavra “anpil” (que significado “muito”). Se você a pronunciar /ãpiw/, o falante poderá entender “Anpi w”, que significa “seu império”. É verdade que o contexto ajudará você nessa hora, mas é melhor não arriscar. Por isso é importante diferenciar também “en” de “enn” ou “èn”, “an” de “ann” ou “àn”, o “m” do “n” etc. Assista novamente à videoaula em que explico sobre alguns sons do crioulo clicando aqui.

Prometo que, ainda que leve alguns meses, o blog logo poderá responder com mais segurança à pergunta que ainda permanece: até que ponto o sotaque estrangeiro afeta a compreensão do nativo?
Alteração feita em 09/07/2018.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Pronomes demonstrativos: "sa" e "sila"


         Já prometi este artigo há um bom tempo, a um bom número de pessoas. Muitas coisas me fizeram deixá-lo para “mais tarde”. Chegou a hora.

         Como de costume aqui no blog, relembremos quais são os pronomes demonstrativos do português:

         Este, esta, isto: usamos quando algo está perto de nós. Se tenho um livro à mão, digo “Este livro é muito bom”.

         Esse, essa, isso: usamos quando algo está perto da pessoa com quem falamos. Se o livro está na mão da pessoa com quem falamos, diz-se “Esse livro é muito bom”.

         Aquele, aquela, aquilo: usamos quando algo está em um terceiro lugar, em que nenhuma das pessoas com quem estamos falando está. Assim, se estou falando com alguém e aponto a um lugar em que nem eu nem a pessoa está, dizemos “Aquele livro é bom”.

         É verdade que, modernamente, não temos feito a distinção que a gramática recomenda. Por isso, “esse” e “este” (e as outras possibilidades) têm sido usadas sem distinção. Isso não é um problema, a língua está mudando. Agora, passemos ao crioulo e seu sistema de pronomes demonstrativos.

         O crioulo herdou do francês a maior parte do seu léxico, ou seja, as palavras que compõem a língua haitiana. Com os pronomes demonstrativos não é diferente, e o francês tem alguns pronomes demonstrativos (ceci, cela...). Dentre os pronomes demonstrativos do francês, há um que pode substituir os outros, é o pronome ça. Ele é usado mais na linguagem familiar, coloquial. Foi justamente o ça que entrou no crioulo como pronome demonstrativo. Sua grafia foi adaptada ao sistema do crioulo haitiano, e ficou como sa, visto que não há cê cedilhado (ç) em crioulo haitiano.

         O sa, portanto, corresponde aos pronomes demonstrativos da língua portuguesa (este/a, esse/a, isto/isso). O sa é usado para se referir a coisas, objetos. Mas também pode ser usado para fazer referência a pessoas se houver um termo no contexto que indique isso, como moun (pessoa), gason (homem), fi (mulher) etc.

K = kreyòl (crioulo); P = português.

          K: Sa (a) se yon liv mwen renmen anpil

P: Este é um livro do qual eu gosto muito

         O a (artigo definido) às vezes acompanhará o sa, resultando em sa a. Podemos pensar que sa é esse, essa, isso. Sa a seria este, esta, isto. Em muitos casos, será indiferente empregar sa ou sa a.

         É notável que quando uma coisa já foi mencionada, e agora fazemos referência a ele novamente, usando esse pronome, o artigo aparece também, ficando sa a.

         K: Mwen genyen yon liv kreyòl. Liv sa a se trèzenteresan

         P: Tenho um livro em crioulo. Este livro é interessantíssimo

         K: Liv sa a enpòtan anpil

         P: Este livro é muito importante

         O pronome demonstrativo que usamos exclusivamente ao fazer referência a pessoas é sila. Vem do francês cela. Visto que a vogal e francesa é, muitas vezes, tão átona, tão “fraca”, passou a “i” no crioulo haitiano em alguns casos.

         K: Li se sila mwen te mansyone a

         P: Ele é aquele (a pessoa) que eu mencionei


         Muitas vezes o sila ocorrerá com o artigo também, ficando sila a. Isso não muda o significado de nada, mas pode deixar uma referência, uma alusão, mais específica (quando acompanhada de artigo).

         O plural de sa (a) é sa yo. O plural de sila (a) é sila yo.

         Haverá ocasiões em que sa e sila servirão ora como dêitico (quando fazemos uma referência extralinguística, algo não mencionado no texto/conversa, mas que se encontra no ambiente em que os falantes estão inseridos), e muitas vezes retomarão ou anteciparão um termo que está por vir: são casos de anáfora e catáfora. Como os nomes são muito feios, deixaremos os estudos de foricidade para um artigo futuro. Paremos por aqui.
          N ap wè.
P.S.: Logo entenderemos mais sobre pronomes dêiticos, anafóricos e catafóricos, não se preocupem.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Os artigos definidos e sua colocação no sintagma


         Não é a primeira vez que falamos sobre os artigos definidos. Há tanto a dizer e explicar sobre os artigos definidos que seria possível escrever um livro só sobre esse assunto. Em outubro de 2014, publicamos aqui a matéria Artigos definidos e indefinidos, ali o blog ensinou a empregar os artigos de acordo com a terminação das palavras (a, an, nan, la, lan, yo). Como já sabemos, esses artigos vêm depois das palavras, não antes como na maioria das línguas! Isso por si só já é um detalhe bem interessante!

         De que detalhe sobre os artigos falaremos hoje? Bem, costuma-se ensinar que, como eu mesmo disse acima, os artigos vêm depois das palavras. De que palavras? Das palavras que eles determinam? Sim, e não. Numa frase como O LIVRO QUE EU COMPREI ENSINA CRIOULO, o artigo virá depois da palavra “livro”, né?! Ficando: LIVRO O que eu comprei... Não, não, não. A frase ficará LIVRO QUE EU COMPREI O ENSINA CRIOULO. Meu Deus! O “o” ficou tão longe do substantivo LIVRO! Por quê? Porque o artigo vem no final do sintagma.

         Quem já fez o curso Iniciação ao Crioulo Haitiano – Módulo I, oferecido aqui pelo blog, viu uma matéria em que nos concentramos na identificação dos sintagmas para colocar corretamente os artigos. Mas, afinal, o que são esses “sintagmas”? Não se assuste, a gente fala uns nomes difíceis, mas a gente explica.

         Não é possível falar desse assunto em pouco tempo, mas aqui vamos dar uma breve introdução que lhes será útil na hora de colocar corretamente o artigo numa oração. Uma oração como “o menino comeu o pão” é constituída de sintagmas, que são unidades que funcionam como um conjunto. A frase-modelo que usamos é bem simples, então vamos entender melhor.

         Nessa frase temos a estrutura mais simples, e mais comum, do crioulo, Sujeito + Verbo + Objeto (SVO). Se formos dividir essa oração em sintagmas, faríamos assim:

S[SN[O menino] SV[V[comeu] SN[o pão]]]

Legenda: S = sentença; SN = sintagma nominal; SV = sintagma verbal; V = verbo.

         Tendo identificado que o trecho “o menino” é um conjunto ao qual damos o nome “sintagma nominal”, sabemos que o artigo virá após o substantivo “menino”, a frase, em crioulo, ficará

TIGASON AN TE MANJE PEN AN

         Mas o que dizer de uma oração como a citada no começo que é bem mais complexa?

O LIVRO QUE EU COMPREI ENSINA CRIOULO

         Vimos que a ordem da oração ficará:

LIVRO QUE EU COMPREI O ENSINA CRIOULO

         O artigo fica lá no final do primeiro sintagma nominal da oração = “o livro que eu comprei”. Mas a pergunta que surge é: como identificar os sintagmas? Há várias maneiras. Uma delas é por tentar substituir um trecho da frase com um pronome interrogativo (como, quem, qual, o quê etc.). Tentemos:

O QUE ensina crioulo?

         Notou que todo o trecho “o livro que eu comprei” foi substituído pelo interrogativo? Está identificado um sintagma com função de sujeito, por isso é nominal. O mesmo pode ser feito com o final da oração:

O livro que eu comprei ensina O QUÊ?

         A palavra “crioulo”, que desapareceu, é também um sintagma nominal, com função de objeto nesse caso. Nossa frase com os sintagmas assinalados, ficará assim:

S[SN[O livro que eu comprei] SV[V[ensina] SN[crioulo]]]

         Traduzindo para o crioulo, teremos:

Liv mwen te achte a anseye kreyòl

         Quando não se sabe identificar o sintagma, pode-se cair no erro de colocar o artigo logo após a palavra “liv”, que ficaria algo como *liv la mwen te achte anseye kreyòl.

         Toda a teoria da sintaxe (que estuda a formação das sentenças) é bem complexa, não é possível abranger tudo rapidamente, mas espero que essas informações já ajudem você na hora de colocar o artigo numa frase mais complexa. Faça uns exercícios clicando aqui. Até mais!

OBS: O link para os exercícios ainda não está disponível, mas será colocado em breve.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Provérbios haitianos: KOZE MANDE CHÈZ

        Já faz um tempo que temos a intenção de escrever sobre alguns provérbios haitianos. É uma aventura e tanto fazer isso, pois os provérbios e expressões idiomáticas fogem da fronteira da gramática. Ainda assim, aprender expressões idiomáticas e ditados da língua estrangeira que você está aprendendo é algo superimportante.

         Assim, convido os leitores a mandar os ditados, expressões, provérbios etc., que sabem em crioulo para compartilharmos entre nós! Será de grande ajuda a todos os que estão aprendendo essa bela língua.
         Hoje, especialmente, falaremos do seguinte provérbio haitiano:
KOZE MANDE CHÈZ
         Traduzindo teríamos algo como: “o caso pede cadeira”, ou seja, “senta que lá vem história”. É usado em ocasiões em que temos uma grande história/acontecido para relatar. Que tal pensar em maneiras de usá-lo para mantê-lo bem gravado?!
         Aproveito para agradecer a contribuição desse ditado à Aline, de Florianópolis, Santa Catarina. Mèsi anpil! E você, tem algum provérbio favorito? Mande-nos pelo e-mail aulasdecrioulohaitiano@gmail.com ou pelo Formulário de Contato aqui no blog.


Obs.: Mandem o provérbio/ditado, alguma explicação, se souberem, e seu nome e local, assim poderemos agradecer sua participação!

Encerramento das nossas atividades

Queridos leitores, O blog Aprann Kreyòl Ayisyen cumpriu seu objetivo. Estamos encerrando nossas atividades e não temos planos de postagens e...