sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Você pergunta, o blog responde: Até que ponto o sotaque estrangeiro interfere na compreensão dos nativos?


         Esta pergunta é muito importante, muito interessante. É uma pena que ainda não existam muitos estudos do crioulo haitiano nessa área. Afinal, pesquisas desse tipo requerem investigação mais profunda.

         Quando se descreve o sistema fonológico de uma língua, concentra-se na identificação dos fonemas da língua e alguns fenômenos fonéticos. Os fonemas são unidades mínimas de som que não têm significado, mas são importantíssimos quando se combinam. Tome como exemplo os fonemas /f/ e /v/. Para produzir esses dois sons, encostamos o lábio inferior na arcada dentária superior e “sopramos”. A diferença dos dois é que, no caso do fonema /f/ as cordas vocais não vibram), mas no fonema /v/ as cordas vocais vibram. Faça o teste, leve sua mão até a garganta e produza cada um desses sons.

         Quando os fonemas /f/ ou /v/ se combinam a outros segmentos, outros fonemas, vê-se quão importante é diferenciá-los. Veja: faca versus vaca.

         Quando estamos tratando dos fonemas, que são segmentos, ocorrem sequencialmente, não há muita dificuldade para identificá-los. O problema mora em outro lugar, no nível suprassegmental. Isso mesmo, no nível acima desses segmentos.

         Agora passamos a falar de aspectos que têm a ver com todo o ritmo das orações de uma língua, da sílaba tônica, e da quantidade vocálica. “Quantidade” tem a ver com a duração da vogal, em algumas línguas é importantíssimo distinguir vogais breves e longas.

         Quanto à sílaba tônica, sinto-me confortável em dizer que todas as palavras do crioulo são oxítonas, ou seja, a última sílaba sempre será a mais forte.

         Quanto à entoação dos enunciados, não parece haver muita diferença em relação ao português. Por isso, geralmente é bem fácil distinguir uma afirmação/negação de uma interrogação, estando atento apenas à entoação (ou: entonação).

         Apesar de sabermos desses detalhes do nível suprassemental do crioulo haitiano, ainda falta muito a descobrir. Com respeito a sotaque estrangeiro é possível fazer algumas afirmações sem medo de errar, até porque todo mundo tem sotaque, até entre os nativos.

         Olhando bem superficialmente, podemos afirmar com certo grau de certeza que há uns desvios de pronúncia mais graves do que outros. Vamos a exemplos. Você acha que pronunciar o “R” do português numa palavra como “tanpri” (que significa “por favor”) tornaria essa palavra (ou qualquer outra) incompreensível? — A resposta é: não. Eles nem têm o “R” que nós temos em português. Essa pronúncia denunciaria você como estrangeiro, mas não afetaria a mensagem. (Que isso não se torne desculpa para ninguém!)

         Que dizer da pronúncia do “L”? Em português brasileiro, o “L” tem sido pronunciado como o “W” dos haitianos. Portanto, se você pronunciar o “L” como “W”, poderá confundi-los. Tomemos como exemplo a palavra “anpil” (que significado “muito”). Se você a pronunciar /ãpiw/, o falante poderá entender “Anpi w”, que significa “seu império”. É verdade que o contexto ajudará você nessa hora, mas é melhor não arriscar. Por isso é importante diferenciar também “en” de “enn” ou “èn”, “an” de “ann” ou “àn”, o “m” do “n” etc. Assista novamente à videoaula em que explico sobre alguns sons do crioulo clicando aqui.

Prometo que, ainda que leve alguns meses, o blog logo poderá responder com mais segurança à pergunta que ainda permanece: até que ponto o sotaque estrangeiro afeta a compreensão do nativo?
Alteração feita em 09/07/2018.

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