Esta
pergunta é muito importante, muito interessante. É uma pena que ainda não
existam muitos estudos do crioulo haitiano nessa área. Afinal, pesquisas desse
tipo requerem investigação mais profunda.
Quando
se descreve o sistema fonológico de uma língua, concentra-se na identificação
dos fonemas da língua e alguns fenômenos fonéticos. Os fonemas são unidades
mínimas de som que não têm significado, mas são importantíssimos quando se
combinam. Tome como exemplo os fonemas /f/ e /v/. Para produzir esses dois
sons, encostamos o lábio inferior na arcada dentária superior e “sopramos”. A
diferença dos dois é que, no caso do fonema /f/ as cordas vocais não vibram),
mas no fonema /v/ as cordas vocais vibram. Faça o teste, leve sua mão até a
garganta e produza cada um desses sons.
Quando
os fonemas /f/ ou /v/ se combinam a outros segmentos, outros fonemas, vê-se
quão importante é diferenciá-los. Veja: faca versus vaca.
Quando
estamos tratando dos fonemas, que são segmentos, ocorrem sequencialmente, não
há muita dificuldade para identificá-los. O problema mora em outro lugar, no
nível suprassegmental. Isso mesmo, no nível acima desses segmentos.
Agora
passamos a falar de aspectos que têm a ver com todo o ritmo das orações de uma
língua, da sílaba tônica, e da quantidade vocálica. “Quantidade” tem a ver com
a duração da vogal, em algumas línguas é importantíssimo distinguir vogais
breves e longas.
Quanto
à sílaba tônica, sinto-me confortável em dizer que todas as palavras do
crioulo são oxítonas, ou seja, a última sílaba sempre será a mais forte.
Quanto
à entoação dos enunciados, não parece haver muita diferença em relação ao
português. Por isso, geralmente é bem fácil distinguir uma afirmação/negação de
uma interrogação, estando atento apenas à entoação (ou: entonação).
Apesar
de sabermos desses detalhes do nível suprassemental do crioulo haitiano,
ainda falta muito a descobrir. Com respeito a sotaque estrangeiro é possível
fazer algumas afirmações sem medo de errar, até porque todo mundo tem sotaque,
até entre os nativos.
Olhando
bem superficialmente, podemos afirmar com certo grau de certeza que há uns
desvios de pronúncia mais graves do que outros. Vamos a exemplos. Você acha que
pronunciar o “R” do português numa palavra como “tanpri” (que significa “por favor”)
tornaria essa palavra (ou qualquer outra) incompreensível? — A resposta é: não.
Eles nem têm o “R” que nós temos em português. Essa pronúncia denunciaria você
como estrangeiro, mas não afetaria a mensagem. (Que isso não se torne desculpa
para ninguém!)
Que
dizer da pronúncia do “L”? Em português brasileiro, o “L” tem sido pronunciado
como o “W” dos haitianos. Portanto, se você pronunciar o “L” como “W”, poderá
confundi-los. Tomemos como exemplo a palavra “anpil” (que significado “muito”).
Se você a pronunciar /ãpiw/, o falante poderá entender “Anpi w”, que significa
“seu império”. É verdade que o contexto ajudará você nessa hora, mas é melhor
não arriscar. Por isso é importante diferenciar também “en” de “enn” ou “èn”, “an”
de “ann” ou “àn”, o “m” do “n” etc. Assista novamente à videoaula em que
explico sobre alguns sons do crioulo clicando aqui.
Prometo
que, ainda que leve alguns meses, o blog logo poderá responder com mais
segurança à pergunta que ainda permanece: até que ponto o sotaque estrangeiro
afeta a compreensão do nativo?
Alteração feita em 09/07/2018.
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