sábado, 18 de março de 2017

O caso curioso das palavras variantes

     Você que está estudando crioulo haitiano deve ter-se perguntado alguma vez: Por que há várias palavras para dizer a mesma coisa? Será que há diferença entre verite e laverite? Bem, vamos considerar alguns pontos da história da língua.

     A primeira coisa que precisamos lembrar é que quando falamos de língua, estamos falando de sons. Emitimos sons que têm significados e são processados por aquele que fala conosco e eles reagem ao que falamos. A comunicação é realmente algo bastante intrigante, não é? Com o tempo, a língua, que é imaterial, passa a ter sua representação escrita. Passamos a materializar os sons com a escrita. Outro fenômeno bastante incrível. Cada uma das letras que eu estou colocando aqui representa um som que é interpretado por você que está lendo. Você entende os significados, aprende coisas novas, nós nos comunicamos.

     Quando representamos os sons na escrita, usamos espaços, para clareza na hora de ler o texto. Esse espaço nem sempre existe na fala. Escrevemos “pão de queijo” mas na fala o que acontece é /pãudikeiju/ (mais corretamente transcrito /pɐ̃w̃dikejʒʊ/). Assim, temos três vocábulos formais “pãosubstantivo depreposição queijosubstantivo”, mas na realidade fonética temos um só vocábulo fonético “pãodequeijo”. Então, vamos ao crioulo...

       O francês chega ao Haiti e diz “La vérité”. O haitiano sabe que “la” é um artigo, “vérité” um substantivo, e que os dois se escrevem separadamente? Não. Ele ouve uma coisa só, porque só há um vocábulo fonético, ele ouve “laverite”. Daqui a pouco ele ouve só a palavra “vérité”, o que acontece? Aparecem duas palavras com o mesmo significado: verite, laverite.

     Temos vários fenômenos desse tipo em português, resultado, sobretudo, do contato com os árabes. O português ouviu o árabe dizer al-qurān e não distinguiu que “al” era o artigo definido árabe e o “qurān” era a real palavra. Como faltou às aulas de árabe, tudo se uniu e o resultado foi uma palavra só, “Alcorão”, que alguns puristas dizem ser correto apenas “Corão”.

      Assim é que surgiram palavras variantes em crioulo, como:

espri, lespri > espírito, inteligência, mente

verite, laverite > verdade

Bib, Labib > Bíblia

kay, lakay > casa

gè, lagè > guerra

inivèsite, linivèsite > universidade

     Não se confunda, no entanto, com:

lapè (paz), pè (medo)

lafwa (fè), fwa (vez) etc.

     Apesar de não haver diferença entre as formas variantes, às vezes, um nativo vai preferir uma em vez de outra. Um haitiano poderia falar li se yon moun (ki gen) lespri > ele é uma pessoa inteligente, mas não falaria *li se yon moun (ki gen) espri. Determinar quando usar uma ou outra não é tão fácil, não se explica por nenhuma lógica gramatical, infelizmente. O importante é você não se preocupar excessivamente pela escolha. Na maioria dos casos, tanto faz uma ou outra forma.

     Antes de eu me despedir, lembre-se: la não é artigo em crioulo. Para dizer “a verdade”, deverá dizer “verite a” ou “laverite a”.

     Espero que mais uma dúvida tenha sido esclarecida. Comente abaixo sobre o assunto de hoje! Até mais!

9 comentários:

  1. Estou aqui com muita vontade de chorar! De alegria. Muito obrigada outra vez!!!

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  2. Muito bom! Esclareceu minhas dúvidas!!!

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  3. Essa eu achava que sabia. Só achava! Parabéns, Bruno. Muito obrigada!

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  4. Muito bom, eu achava q laverite era "a verdade ", excelente, muito obrigada!

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  5. Excelente! Que explicação perfeita! Parabéns, seus artigos são sempre muito completos! Obrigado!

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  6. Bonjou Irmão Bruno, suas explicações são fantásticas!

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  7. Excelente explicação Bruno.Mèsi anpil!!!!

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