Já
passou da hora de abordarmos a diferença de falar e dizer. Graças
aos leitores do blog que sempre mandam suas dúvidas, hoje vamos dar
atenção a essa questão!
Em
português, falar e dizer muitas vezes podem aparecer no mesmo
contexto e terão o mesmo sentido. Veja os exemplos (1) e (2).
(1) Ele disse que quer aprender crioulo
(2)
Ele falou que quer
aprender crioulo
Em outros
lugares não seria possível fazer essa troca. Veja os exemplos (3) e (4)
(3)
Ele fala português comigo
(4)
* Ele diz português comigo
Lembre-se
de que o asterisco (*) é usado para marcar que a construção em questão não
existe na língua. O exemplo (2) seria marcado com um asterisco em crioulo
haitiano, pois não se pode falar que quer aprender crioulo em crioulo,
só se pode dizer isso.
Falar em
crioulo é pale. Dizer é di. Veja os exemplos abaixo:
(5) Li te di li vle aprann kreyòl
(tradução do exemplo (1))
(6)
* Li te pale li vle
aprann kreyòl (tradução literal do exemplo (2))
Só é
possível o exemplo (5), o exemplo (6) não é possível em crioulo haitiano. Por
quê? Agora chegou a parte legal! Vamos entender um pouco sobre telicidade.
Vocês sabem que eu não resisto a usar nomes estranhos, né?
Pense nos
seguintes verbos: fechar e cantar. São dois verbos que indicam
ações bem diferentes, é verdade. Compare “fechar a porta” com “cantar uma
música”. Consegue reparar que “fechar a porta” é uma ação que acontece e,
pronto, acaba?! Nós podemos raciocinar da seguinte maneira: com o verbo fechar
é possível visualizar o fim da ação.
Isso é
bem diferente do que acontece com “cantar uma música”. Logicamente, a ação de
cantar uma hora vai ter um fim, mas não é a mesma impressão que temos com
verbos que indicam eventos tão pontuais como abrir, fechar e outros.
Verbos
que indicam eventos tão pontuais (é feito e acaba, visualizamos o fim do
evento), como nascer, morrer, fechar, abrir, são télicos. Já
verbos como cantar, brincar, pensar, são atélicos.
Não vamos
entrar em todos os detalhes técnicos, mas a telicidade (ser télico ou
atélico) é uma propriedade não só do verbo, mas de todo o sintagma verbal, que
é um conjunto formado pelo [VERBO + COMPLEMENTO]. É por isso que sempre devemos
olhar para o todo. Desenhar um círculo é um evento télico. Você desenha
e, pronto, acaba. Desenhar círculos é atélico. Você desenha, desenha,
desenha... um dia acaba, mas a impressão do fim desse evento não é tão visível,
por assim dizer.
Voltando
à nossa questão central, podemos concluir que dizer é télico, e falar
é atélico. A gente diz algo e pronto. A gente passa uma informação
específica e acabou. Algo bem pontual. Tal pessoa disse tal coisa.
Pronto. No caso do verbo falar, a gente fala uma língua, que dá a
noção de saber uma língua. Mas também a gente fala sobre coisas diversas.
A gente fala sobre o Haiti, por exemplo. A ação de falar sobre o Haiti
envolve uma fala com detalhes sobre o país, a cultura desse país, a língua
desse país. Algo que um dia acaba, é verdade, mas não é tão breve quanto dizer
que o Haiti tem o crioulo como língua oficial. Isso se diz e pronto.
Acabou.
De modo
geral, se na frase em português for possível trocar o verbo falar por dizer,
deve-se usar o verbo dizer (di) no crioulo haitiano. Essa é uma
forma rápida de saber o que usar. Mas não se esqueça da questão da telicidade.
Espero
que depois de ter lido este artigo você não diga: o Bruno falou, falou e
não disse nada.
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