quarta-feira, 27 de novembro de 2019

FALAR e DIZER - uma questão de telicidade


         Já passou da hora de abordarmos a diferença de falar e dizer. Graças aos leitores do blog que sempre mandam suas dúvidas, hoje vamos dar atenção a essa questão!

         Em português, falar e dizer muitas vezes podem aparecer no mesmo contexto e terão o mesmo sentido. Veja os exemplos (1) e (2).

(1)           Ele disse que quer aprender crioulo
(2)                       Ele falou que quer aprender crioulo

Em outros lugares não seria possível fazer essa troca. Veja os exemplos (3) e (4)

(3)                       Ele fala português comigo
(4)                       * Ele diz português comigo

Lembre-se de que o asterisco (*) é usado para marcar que a construção em questão não existe na língua. O exemplo (2) seria marcado com um asterisco em crioulo haitiano, pois não se pode falar que quer aprender crioulo em crioulo, só se pode dizer isso.

Falar em crioulo é pale. Dizer é di. Veja os exemplos abaixo:

(5)           Li te di li vle aprann kreyòl (tradução do exemplo (1))
(6)                       * Li te pale li vle aprann kreyòl (tradução literal do exemplo (2))

Só é possível o exemplo (5), o exemplo (6) não é possível em crioulo haitiano. Por quê? Agora chegou a parte legal! Vamos entender um pouco sobre telicidade. Vocês sabem que eu não resisto a usar nomes estranhos, né?

Pense nos seguintes verbos: fechar e cantar. São dois verbos que indicam ações bem diferentes, é verdade. Compare “fechar a porta” com “cantar uma música”. Consegue reparar que “fechar a porta” é uma ação que acontece e, pronto, acaba?! Nós podemos raciocinar da seguinte maneira: com o verbo fechar é possível visualizar o fim da ação.

Isso é bem diferente do que acontece com “cantar uma música”. Logicamente, a ação de cantar uma hora vai ter um fim, mas não é a mesma impressão que temos com verbos que indicam eventos tão pontuais como abrir, fechar e outros.

Verbos que indicam eventos tão pontuais (é feito e acaba, visualizamos o fim do evento), como nascer, morrer, fechar, abrir, são télicos. Já verbos como cantar, brincar, pensar, são atélicos.

Não vamos entrar em todos os detalhes técnicos, mas a telicidade (ser télico ou atélico) é uma propriedade não só do verbo, mas de todo o sintagma verbal, que é um conjunto formado pelo [VERBO + COMPLEMENTO]. É por isso que sempre devemos olhar para o todo. Desenhar um círculo é um evento télico. Você desenha e, pronto, acaba. Desenhar círculos é atélico. Você desenha, desenha, desenha... um dia acaba, mas a impressão do fim desse evento não é tão visível, por assim dizer.

Voltando à nossa questão central, podemos concluir que dizer é télico, e falar é atélico. A gente diz algo e pronto. A gente passa uma informação específica e acabou. Algo bem pontual. Tal pessoa disse tal coisa. Pronto. No caso do verbo falar, a gente fala uma língua, que dá a noção de saber uma língua. Mas também a gente fala sobre coisas diversas. A gente fala sobre o Haiti, por exemplo. A ação de falar sobre o Haiti envolve uma fala com detalhes sobre o país, a cultura desse país, a língua desse país. Algo que um dia acaba, é verdade, mas não é tão breve quanto dizer que o Haiti tem o crioulo como língua oficial. Isso se diz e pronto. Acabou.

De modo geral, se na frase em português for possível trocar o verbo falar por dizer, deve-se usar o verbo dizer (di) no crioulo haitiano. Essa é uma forma rápida de saber o que usar. Mas não se esqueça da questão da telicidade.

Espero que depois de ter lido este artigo você não diga: o Bruno falou, falou e não disse nada.

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