sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Você pergunta, o blog responde: Jwenn? Twouve?


Um leitor perguntou: É possível usar “jwenn” no lugar de “twouve” quando a ideia é “achar” no sentido de “ter uma opinião sobre algo”?

Boa pergunta! Vamos à investigação para achar a resposta. Mas... antes... preciso relembrar algo.

Aqui no blog a maioria das pesquisas já conduzidas até hoje, que resultaram em muitos dos artigos que aqui estão, e muitos outros que estão em processo de investigação, baseiam-se no que chamamos de linguística de corpus. Ué, mas o que é isso?

De maneira simples: um corpus é um banco de textos extenso. Recolhem-se os textos em um determinado idioma e coloca-se esse conjunto de textos em programa de análise de corpus. Dentro desse programa é possível fazer investigações bem precisas, analisando, sobretudo, o contexto em que uma determinada palavra é usada, o que facilita o reconhecimento de padrões específicos no idioma, ou a falta deles. O programa não trabalha sozinho, é claro. Ele é apenas uma ferramenta que auxilia alguém com conhecimento em análises linguísticas.

Recorrendo à análise de corpus para responder à questão de nosso leitor, obtivemos rapidamente a seguinte conclusão: “jwenn” é “achar” no sentido de “encontrar algo físico”, ao passo que “twouve” é usado também no sentido de “achar” quando significa “ter uma opinião sobre algo”. Pronto! Questão respondida! Não... ainda não.

Nosso leitor disse algo que nos intrigou. Ele relatou que alguns haitianos estão usando “jwenn” no lugar de “twouve”. Por quê?! Será que os brasileiros estão influenciando o crioulo dos haitianos?! Responder a essa questão não é a tarefa mais fácil do mundo. Mostrou-se necessário, então, lançar mão de um outro método de investigação.

Esse outro método é típico da gramática gerativa. Ele visa à investigação de fatos linguísticos utilizando a própria intuição do falante. É verdade que linguística de corpus e linguística gerativa são coisas bem distintas, e muitas vezes “não se bicam”. Mas como linguística para mim não é religião, mas, sim, uma ciência, não tenho medo de aproveitar o que há de bom em cada uma das várias teorias. Assim, vamos à verificação de gramaticalidade utilizando a intuição dos falantes! Eba!

Antes de qualquer outra coisa: o que é gramaticalidade? Uma sentença “gramatical” faz parte da gramática da língua. Isso não tem a ver com certo ou errado, esqueçam a gramática tradicional. Nas frases abaixo, defina qual é “gramatical”, e qual é “agramatical”:

(a)              Os livros estão em cima da mesa

(b)             Os livro tá em cima da mesa

(c)              O livros estamos em cima da mesa

Tanto (a) quanto (b) são frases gramaticais da língua portuguesa. Somente (a) é aceita pela norma culta, mas como já disse, esqueça a gramática tradicional. A frase (c) é inaceitável em português, apesar de ser compreensível, ninguém falaria assim. Veja que “agramatical” não quer dizer “incompreensível”.

Para definir o que é gramatical e o que é agramatical no que diz respeito à alternância de “twouve” com “jwenn”, expusemos falantes nativos do crioulo haitiano a uma mesma frase em que se alternavam os usos desses verbos em questão.

A frase foi retirada de um livro em crioulo haitiano1. Nossa frase-modelo foi


Plizyè milyon moun twouve li enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib


         Lembre-se de que o objetivo era investigar a possibilidade de usar “jwenn” nesse contexto, em lugar de “twouve”. Essa pesquisa foi conduzida com a ajuda de voluntários em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e no Haiti. Veja os resultados:

LEGENDA
sem marcação
: frase gramatical, aceitável
* (asterisco)
: frase agramatical, inaceitável
? (ponto de interrogação)
: frase duvidosa (alguns aceitam, alguns rejeitam)
*? (asterisco e interrogação)
: frase bastante duvidosa, aceitação baixa

Plizyè milyon moun twouve li enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib

Plizyè milyon moun twouve sa enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib     

?Plizyè milyon moun jwenn li enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib

*?Plizyè milyon moun jwenn sa enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib              

*Plizyè milyon moun twouve enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib              

*Plizyè milyon moun jwenn enteresan pou yo sèvi ak metòd kesyon/repons lan lè y ap pale de Labib

         Depois de analisar os resultados, chegamos às seguintes conclusões:

     Tanto o verbo “twouve” quanto o verbo “jwenn” pedem depois de si um pronome entre o próprio verbo e o adjetivo seguinte. Isso porque o pronome é o objeto do verbo, é imprescindível para a frase. O pronome pode ser também substituído por um substantivo, como “Mwen twouve liv sa a enteresan” (acho este livro interessante), ou “mwen twouve l enteresan” (eu o acho interessante). Mas nunca apenas “twouve enteresan”, “jwenn enteresan”. Outra coisa: esse objeto pode ser preenchido também pelo “sa”, se você não quiser usar o “li”. As frases com “jwenn”, no entanto, não foram rejeitadas de cara pelos falantes, é verdade. Mas com certeza tendem à agramaticalidade. Acredito que é por isso que não achamos um exemplo sequer de “jwenn” no lugar de “twouve” na língua escrita.

         Assim, é possível dizer que: usar “jwenn” no lugar de “twouve” é possível, mas é questionável, alguns falantes não se incomodam, outros vão torcer o nariz. Você quer mesmo que torçam o nariz para você? :P

         Até mais.

P.S.: Aproveito aqui para agradecer aos que colaboraram como pesquisadores ao entrevistar os haitianos.

1O livro mencionado é Ki sa Labib anseye toutbonvre ? publicado pelas Testemunhas de Jeová.

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